quinta-feira, 28 de março de 2013

Habibs


Quis o destino, esse  maledito, que ontem à noite eu percorresse metade da Barueri até encontrar um wifi em funcionamento que me permitisse terminar um frila.

A poucos metros de onde assentei, um casal de italianos procurava um local para jantar uma boa pizza.

Um fluente em italiano sugeriu 'o restaurante Habibs', o que interpretei como outro exemplo da periclitante fase do Palmeiras (que aquela altura já perdia do Mirassol).
E lembrei-me de alviverdes amigos, entre eles Kamarad, que não sei se está em Caieiras, Dudinka ou Vladivostok, mas atendeu quatro ou cinco ligações minhas num domingo de manhã na última vez que a internet e deadline acharam legal conflitar.

domingo, 3 de março de 2013

Tudo é música

"(...) - A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente...
- Mas, meu caro Marcolini...
- Quê?
E, depois de beber um gole de licor, pousou o cálix, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir.
Deus é o poeta. A música é Satanás, jovem maestro de muito futuro que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a procedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio para sua eternidade. Satanás levou o manuscrito para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros -, e acaso para reconciliar-se com o céu -, compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.
'-Senhor, não desaprendi as lições recebidas - disse-lhe - Aqui tendes a partitura, escutai-a, emendai-a, fazei-a executar, e se achardes digna das altitudes, admiti-me com ela e vossos pés...
'-Não - retorquiu o Senhor -, não quero ouviro nada.
'-Mas, Senhor...
'-Nada! Nada!'
Satanás suplicou ainda , sem melhor furtuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos.
'-Ouvi agora alguns ensaios!
'-Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de autor.'
Foi talvez um mal esta recusa; dela resultaram alguns desconcertos que a audiência prévia e a colaboração amiga teriam evitado. Com efeito, há lugares em que o  verso vai para a direita e a música para a esquerda. Não falta quem diga que nisso mesmo está a beleza da composição, fugindo à monotonia, e assim explicam o terceto do Éden, a ária de Abel, os coros da guilhotina e da escravidão. Não é raro que mesmo lances se reproduzam, sem razão suficiente. Certos motivos cansam à força da repetição. Também há obscuridades; o maestro abusa das massas corais, encobrindo muita vez o sentido por um modo confuso. As partes orquestrais aliás retratadas com grande perícia. Tal é a opinião dos imparciais"

(Machado de Assis em Dom Casmurro)
Esse cara é um gênio.